O STF acabou com a estabilidade dos servidores públicos? Entenda a decisão

Corte validou uma emenda constitucional aprovada em 1998 que permite que funcionários públicos sejam contratados pela CLT

08/11/2024 19h30

A fachada do Supremo Tribunal Federal, em Brasília

Após 24 anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) validou uma emenda constitucional de 1998 que alterou o regime de trabalho dos servidores públicos. Com a decisão, tomada na última quarta-feira (6), os novos funcionários poderão ser contratados também pelas regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ou seja, sem estabilidade. A medida não afetará quem já está no serviço público.

Os ministros analisaram uma ação movida em 2000 por PT, PDT, PCdoB e PSB, na qual os partidos questionaram pontos da reforma administrativa promovida pelo governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e aprovada no Congresso em 1998.

Uma das mudanças implementadas foi o fim do Regime Jurídico Único (RJU), o conjunto de regras que regulamenta o trabalho dos servidores públicos, introduzido com a Constituição de 1988.

O que é o regime único?

O objetivo do RJU é evitar que servidores tenham regimes de trabalho diferentes, ainda que desempenhem a mesma função, como acontecia antes da promulgação da atual Carta Magna, em que algumas carreiras eram regidas pela CLT, enquanto outras, por normas próprias.

Com a Constituição, a Administração Pública foi obrigada a ter apenas um regime jurídico para seus servidores.

Foi o caso da União, que instituiu o Estatuto do Servidor Público (Lei 8.112, de 1990) para reger as carreiras federais. Já os Estados e municípios têm autonomia para estabelecer suas próprias regras.

Esses servidores, conhecidos como "estatutários", ingressam no cargo por concurso público e ganham estabilidade na função depois de três anos.

Ou seja, eles só podem perder o cargo caso sejam punidos em processos administrativo-disciplinares, por decisão judicial definitiva ou para garantir o equilíbrio das contas públicas.

Já funcionários de empresas estatais também assumem seus cargos a partir de concurso público, mas são regidos pela CLT e não têm estabilidade. Eles são os chamados "servidores celetistas" ou empregados públicos.

O que mudou com a reforma de FHC?

A emenda constitucional, aprovada no Congresso em 1998, derrubou a obrigatoriedade de um regime único para os servidores. A medida permitiu que a Administração Pública federal, estadual e municipal pudesse definir os regimes para seus servidores de acordo com suas necessidades.

Ou seja, a partir da reforma administrativa, os entes federados poderiam escolher entre ter servidores com ou sem estabilidade.

Entretanto, a aprovação da norma foi questionada pelos partidos de esquerda no STF.

As siglas alegavam que houve irregularidade na tramitação da proposta de emenda à Constituição (PEC), já que o texto não teria sido aprovado em dois turnos de votação na Câmara e no Senado.

Em 2007, a aplicação da regra foi suspensa pelo Supremo até que houvesse uma decisão definitiva sobre o caso.

Na quarta, a Corte concluiu o julgamento e validou a tramitação da PEC. Por 8 a 3, os ministros entenderam que não houve violação ao processo legislativo.

Apenas a relatora da ação, ministra Cármen Lúcia, e os ministros Edson Fachin e Luiz Fux consideraram o processo legislativo irregular. Já os demais integrantes acompanharam a divergência aberta pelo ministro Gilmar Mendes.

Muda alguma coisa para os atuais servidores? 

Nada. Em sua decisão, o STF destacou que a flexibilização dos regimes dos servidores públicos só valerá para futuros trabalhadores.

E para os novos contratados?

A mudança não será automática mesmo para os novos servidores, incluindo aqueles que vierem a ser admitidos pelo Concurso Nacional Unificado (CNU).

Uma alteração no regime de trabalho de qualquer categoria depende também de uma mudança nas leis que regulam as carreiras. Ou seja, essas normas precisam passar a prever a aplicação do regime estatutário ou a mudança para a CLT.

Para isso, é necessária a aprovação de projetos específicos no Congresso, nas assembleias legislativas ou nas câmaras de vereadores e a sanção do presidente da República, do governador ou prefeito.

Os concursos públicos vão acabar? 

Não. A decisão do STF não acabou com a exigência de concurso público para a entrada nas carreiras de Estado. Isso porque essa obrigatoriedade consta na Constituição e vale mesmo para os servidores públicos celetistas.

E a estabilidade? Como fica?

O entendimento da Corte também não representa o fim da estabilidade. A única mudança é que, a partir de agora, os governos federal, estaduais e municipais vão poder escolher qual é o melhor modelo de trabalho para cada categoria.